CONHEÇA OS BRASILEIROS QUE REBECRAM O PRÊMIO DA NASA POR PROJETO DE IA
Na mitologia grega, Poseidon é o Deus que protege as águas. E foi este o nome escolhido por um grupo de brasileiros para um sistema que pretende utilizar imagens de satélite, inteligência artificial e algoritmos para detectar a existência de manchas causadas por vazamentos de óleo nos oceanos.
A ideia foi uma das vencedoras do Nasa Space Apps Challenge, uma competição internacional que busca ideias inovadoras, a partir de dados produzidos pela agência espacial americana, para resolver desafios tanto espaciais quanto terrestres. A premiação ocorreu em meados de março na sede da Nasa em Washington, capital dos Estados Unidos.
O grupo brasileiro foi formado com o objetivo de participar do concurso. Dois deles já se conheciam de uma competição anterior, realizada pela IBM. Os demais foram recrutados para o projeto. Recém-formados em áreas ligadas a tecnologia e informática, todos já atuavam na iniciativa privada.
Pelo regulamento da competição da Nasa, todo o projeto foi desenvolvido em 48 horas, na data estipulada para o certame, em 2019. Funcionou assim: eles souberam do desafio e, a partir de então, tiveram o prazo estabelecido para apresentarem uma solução.
De acordo com as informações do projeto inscrito no site da Nasa, uma API — sigla em inglês para interface de programação de aplicação — poderia cruzar informações captadas por satélites e, com uso de algoritmos e inteligência artificial, localizar com agilidade os pontos com vazamento de óleo em alto mar.
Segundo o descritivo do projeto, a API “poderia ser consultada por governos e terceiros” e essa detecção serviria para que órgãos competentes sejam capazes de “atuar rapidamente em resposta, minimizando o desastre ambiental e o impacto socioeconômico”.
Como funciona
Em entrevista à DW Brasil, o designer, programador e empreendedor Felipe Ribeiro Tanso, um dos membros da equipe vencedora, esclarece o funcionamento do mecanismo.
“Ela possui uma inteligência artificial que checa imagens capturadas via satélite e retorna a probabilidade de haver manchas de óleo em uma determinada região do oceano, alertando os órgãos responsáveis pela fiscalização e mitigação desses acidentes. Dessa forma, o nosso objetivo é diminuir os impactos socioeconômicos e ambientais que tais desastres podem vir afetar a vida de milhões de pessoas”, explica.
Como a proposta foi concretizada em forma de API, o sistema pode ser absorvido por outros softwares ou aplicativos, tornando-se facilmente aplicável. “Isso permite com que outras ferramentas possam utiliza nossa solução como algo dentro de seus próprios sistemas”, explica Tanso.
O tecnólogo e cientista de dados Ricardo Ramos, outro integrante da equipe, conta que o método desenvolvido por eles se baseia nas chamadas “redes neurais”. Mas houve um aprimoramento. “Acrescentamos atalhos para saltar duas ou três camadas [no andamento] para tornar o processo mais rápido”, comenta.
Dos cinco envolvidos no grupo desenvolvedor do projeto, apenas três compareceram à premiação. Segundo Tanso, a agenda incluiu dois dias completos na sede da Nasa, “com reconhecimento e a possibilidade de ter o contato mais próximo com cientistas brilhantes e responsáveis por diversas missões relacionadas à exploração espacial, como a missão Artemis, que tem como objetivo levar o homem de volta à Lua”.
“Foi incrível”, acrescenta ele. “Só o fato de estar em Washington e ser recebido na sede da Nasa foi uma conquista enorme e emocionante. Foi como um sonho de criança sendo realizado. Assuntos espaciais sempre me chamaram a atenção e chegar até lá teve um apelo muito sentimental para mim.”
Pandemia e atraso
A equipe vencedora lamenta, contudo, que o sistema ainda não esteja em uso. E, nesse ponto, nem dá para atribuir a não adoção da plataforma pela novidade do desenvolvimento. Afinal, o prêmio da Nasa está reconhecendo um projeto de 2019 — originalmente, os brasileiros seriam condecorados em 2020, mas a pandemia de covid suspendeu o cronograma da época.
“Não conseguimos ainda implementar essa tecnologia em nenhum setor para funcionar de forma real”, afirma Tanso. “O nosso objetivo sempre foi ter o apoio governamental para implementar isso como uma solução que pudesse, de alguma forma, ajudar o nosso país, e não apenas servir como um produto privado.”
Ele destaca que “uma das coisas brilhantes” dessa iniciativa da agência espacial americana é “justamente a causa social de como podemos impactar e melhorar a vida do homem na Terra ou fora dela”. “Então, do meu ponto de vista, empatia é uma das principais características para se construir soluções eficazes e que atendam a grande parte dos desafios”, comenta.
“A maior dificuldade para isso na época foi de fato a pandemia, a atenção e o foco acabaram se perdendo, o que impactou não apenas a rotina da equipe como também das empresas e do governo”, enumera. “Do ponto de vista técnico, existe também a dificuldade em lidar com grandes dados fornecidos pelas agências espaciais que acabam necessitando de recursos financeiros e tecnológicos mais avançados para lidar, tratar e filtrar essa grande quantidade de dados.”
” [A Poseidon] não está sendo utilizada, infelizmente”, afirma Ramos. “Nosso objetivo inicial era conseguir atuar junto o algum órgão governamental”.
A viagem de premiação reanimou as expectativas do grupo. “Nosso próximo passo agora é fazer contato com a Nasa e tentar algum programa de estágio internamente”, diz Tanso. “De repente podemos compreender mais sobre os dados que eles possuem, as ferramentas, e expandir a solução. Nosso objetivo sempre foi social. Nunca foi tornar o projeto algo que de fato fosse rentável ou pudesse mudar nossas vidas, mas sim queremos ajudar pessoas.”
Petroleiro Bouboulina
“No momento em que decidimos fazer um projeto voltado ao vazamento de óleo, estávamos com o intuito de sanar uma dor que o Brasil sentia naquela situação”, ressalta Ramos.
O texto do projeto menciona que “todos os anos milhares de toneladas de óleo são despejadas nos oceanos”. “No Brasil, nós recentemente fomos afetados por uma imensa e misteriosa mancha de óleo”, prossegue o texto, dizendo que “o desastre estava afetando a biodiversidade do Atlântico Sul e prejudicando socioeconomicamente as regiões afetadas”.
A referência era às manchas de óleo que misteriosamente apareceram no litoral brasileiro a partir de 30 de agosto de 2019, uma poluição que se espalhou por mais de 3 mil quilômetros da costa, do Maranhão ao norte do Rio de Janeiro. Mais tarde, investigações concluíram que o dano havia sido causado pelo petroleiro Bouboulina, de bandeira grega, embarcação carregada na Venezuela e com destino à África do Sul.