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Casa de campo com tipologia construtiva guarani é exemplo de sustentabilidade

Por Lara Muniz

Preservar é verbo usado no modo imperativo neste pequeno sítio em Cunha, interior de São Paulo. O riacho que atravessa o terreno o transforma em Área de Preservação Permanente, ou APP, para os familiarizados com o termo. Pela lei, isso significa que nada de novo pode ser construído no lote sem que esteja pelo menos 30 m afastado das margens de água corrente. “Na prática, preservamos as volumetrias preexistentes e demos a elas novas vocações. O antigo galinheiro virou casa principal e onde hoje está a lavanderia ficava a horta, por exemplo”, conta Rodrigo Messina, arquiteto e sócio de Francisco Rivas no escritório Messina Rivas, autores do projeto.

Na varanda, é possível ver a estrutura da casa principal, feita com os eucaliptos colhidos e tratados na propriedade, e as esquadrias adquiridas em lojas de Cunha – no mobiliário, poltrona da Zara Home (em primeiro plano), cadeira Guaiuba, de Carlos Motta, e sofá-cama Byo Casal L, da Futon Company, tudo sob pendente da Reka Iluminação — Foto: Federico Cairoli/divulgação

Mas, para além de uma obrigação prevista em lei, conservar, aqui, também é sinônimo de prazer e aprendizado. Em vez de colecionar pegadas de carbono importando de longe madeira para a reforma, os arquitetos aproveitaram os eucaliptos que cresciam na área – e poderiam prejudicar o riacho local com sua vasta demanda por água, daí a autorização para o corte – e deram novo uso ao material. “Exageramos um pouco no dimensionamento das madeiras, visto que elas não passaram por provas de cargas, e o efeito visual mais robusto casou bem com o clima local”, avalia Francisco.

No living, dupla de poltronas vintage, na Verniz, mesa de centro Catavento, de Claudio Corrêa, com escultura de cavalo feita de bronze peruano, bordadeira Girafa, de Lina Bo Bardi, Marcelo Ferraz e Marcelo Suzuki, na Marcenaria Baraúna, ao lado de coleção de banquinhos do acervo dos proprietários, e poltrona Paulistano (no canto, à dir.), de Paulo Mendes da Rocha, na Dpot – na parede, entalhe barroco, herança de família, e gravura de Alfredo Volpi — Foto: Federico Cairoli/divulgação
A kuláta jovái, tipologia de construção de origem guarani, com área central comum e sem corredores, foi a inspiração para reformar a casa onde moram os funcionários residentes
— Rodrigo Messina
As reformas em série executadas pela dupla reconfiguraram o uso do sítio. Ao longo do terreno, existem seis peque ­ nas construções que, aos poucos, tiveram suas funções originais transformadas até encontrar sua destinação – por ora – definitiva. Tudo com a participação ativa do casal de proprietários e de seus três filhos, clientes queridos pela dupla Messina Rivas.
Na cozinha, com banquetas na Masp Loja, a mão de obra local deixou rastros de sabedoria por onde passou, como na bancada de taipa executada pelo mestre de obras Carlinhos, com mais de 30 anos de experiência no trabalho, e nos tijolos de dois oleiros também da região – os fabricados por Zé Taubinha moldam as paredes, e Burrico assina os aplicados no piso –, além da azulejaria portuguesa da rodabanca, concebida pelo artesão francês radicado em Ubatuba, SP, Elie Audoux, do Atelier de Azulejos — Foto: Federico Cairoli/divulgação

Estrutura que abriga o galinheiro de um lado e uma pequena oficina-ateliê que se abre para o outro – as ripas menores dos eucaliptos colhidos no terreno foram aproveitadas na obra — Foto: Federico Cairoli/divulgação

Ao aprender a lidar com a natureza local, se poupa energia – a elétrica e a dos seres vivos que ocupam o espaço, premiados com liberdade para viver com mais leveza e conforto. Basta ver, por exemplo, que um simples deslocamento de pedras foi capaz de empoçar a água do riacho em quantidade suficiente para criar uma piscina natural de água corrente, atração das melhores em dias quentes. Imagine o desgaste caso alguém resolvesse implicar com o riacho que passa no terreno, origem de tantas limitações construtivas – e tantas outras benesses no dia a dia. “Não lutar contra o que parece impeditivo pode revelar potências”, finaliza Rodrigo.

*Matéria originalmente publicada na edição de julho/2024 da Casa Vogue (CV 463),