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ECOS DE MAREPE

Marepe se expressa assim quando fala de arte. Reconhecido por fabulações com objetos do cotidiano de sua terra, o santoantoniense completou 30 anos de carreira, embutiu o Recôncavo, a Bahia, o Nordeste, deslocando-os para o mundo, como a si próprio, por meio de dezenas de peças estranhamente comuns. Na Pinacoteca, em São Paulo, este foi o nome da exposição que reuniu, entre 27 de julho e 28 de outubro, um número de trabalhos equivalente à trajetória do artista, resultado das memórias persistentes. Apesar de evocar acústicas improváveis, Marepe vive numa caminhada silenciosa com a arte, como ele mesmo alega. Em seu ateliê, um imóvel amarelo gema localizado na Rua Rui Barbosa, recebe forasteiros; tudo é calmo e incomodamente ordenado. Fiel a materiais como madeira, telhas, baldes, cabaças e bacias, esse sujeito corajoso, que já moveu um muro para São Paulo, compartilha nesta entrevista alguns ecos de sua poética tridimensional.

COMO DESENVOLVEU O SEU OLHAR PARA A ARTE?

Eu olhava para os livros e não conseguia ver o meu trabalho ali. O meu trabalho foi muito de garimpo, muito seletivo nas informações que eu queria para mim. Eu queria primeiro entender o que era arte. O primeiro contato que eu tive foi com os artistas impressionistas que, de alguma forma, retratavam o cotidiano: bares, cabarés e cenas domésticas.

NÃO HÁ RECEIO EM SE COLOCAR NO QUE VOCÊ APRESENTA. SERIA UM MODO DE APRISIONAR UM SENTIDO, ESTANDO NA OBRA?

É um trabalho quase autobiográfico. Eu tive uma relação com o teatro no início e tem uma linguagem chamada performance e eu me senti bem em me expor como participante do trabalho e me retratar.

ESSA MENSAGEM CHEGOU AONDE VOCÊ QUERIA?

Acho que sim. O resultado é essa exposição na Pinacoteca. Não imaginava que iria acontecer. Estou chegando aos 30 anos de carreira e foi um presente para mim. É resultado desse feedback. O que eu vivi, de alguma forma refletiu para que essa exposição acontecesse.

E ESSE CONVITE, COMO ELE ACONTECE NA PRÁTICA? COMO É ESTAR LÁ?

Já havia dois trabalhos na Pinacoteca: “Desemboladeira” (2004) e “Retrato de Bubu” (2005). O convite foi de um dos diretores, através da Galeria Luisa Strina, que me avisou e pediu que eu ligasse confirmando. Foi mais ou menos um ano; um trabalho bem duro. Vários trabalhos estavam fora do país, já haviam sido adquiridos, então pedimos permissão para reproduzi-los aqui no Brasil. “Os filtros” (1999) e “Periquitos” (2005), por exemplo, estão na Alemanha; “Chorinho” (2009), está nos Estados Unidos.

JÁ HOUVE FRUSTRAÇÃO DIANTE DA RECEPÇÃO DE ALGUM TRABALHO?

Nunca me frustrei. É tão pensado, tão calculado. Penso em tudo; desde o dinheiro que vou gastar até onde vou encontrar as coisas. Vem aquele turbilhão de ideias certinho, muito redondo. Quando eu vejo, o trabalho está pronto. O tempo de me refazer não está definido. Eu produzo a obra e, por um tempo, me distancio até vir outra coisa.

E SOBRE A SUA RELAÇÃO COM A CIDADE?

É uma coisa que vai gradativamente acontecendo, com naturalidade. Eu nunca forcei as pessoas a entenderem o meu trabalho; nunca impus nada. Às vezes eu fiz algo porque tinha que fazer, como deslocar o muro da São Luís e outras coisas que me convidaram para fazer, a exemplo de restaurar os anjos do cruzeiro do São Benedito. Há, ainda, o trabalho que fiz para o jogador Júnior, o medalhão próximo ao estádio. A minha relação com a cidade é muito tranquila. Acho que as pessoas me tratam muito bem. Recentemente, me convidaram para fazer a curadoria de uma pintura ao lado do Centro Cultural. Vai ser um painel com vários artistas. A ideia é que seja nos dias 29, 30 de novembro e 1 de dezembro. O tema será “Renascer”.

A MINHA PERCEPÇÃO É QUE ALGUMAS COISAS PRECISAM BRILHAR LÁ FORA PARA CHAMAR ATENÇÃO AQUI DENTRO.

É… Pode ser…

 HAVERIA UMA CERTA RESPONSABILIDADE DE SENSIBILIZAR OU APROXIMAR MAIS AS PESSOAS DA ARTE?

Meu trabalho todo é um pouco isso. Eu gosto de trabalhar com materiais mais simples, próximo delas. Na minha cabeça, isso vai fazer as pessoas pensarem que dá pra fazer arte com pouco dinheiro, com poucos recursos. Arte não tem que ser essa coisa tão afastada da realidade da gente, do nosso cotidiano.

AO DISPENSAR A TINTA, E RECORRER A OUTROS OBJETOS TÃO COMUNS, VOCÊ NÃO DESAFIARIA AINDA MAIS AS PESSOAS A TENTAREM CAPTAR O UNIVERSO DA SUA OBRA?

Eu acho que sim. É um desafio pra mim também. É sempre um desafio um trabalho novo, não é uma coisa que está dada. É como se fosse uma agulha no palheiro encontrar um trabalho que se encaixe no espaço disponível.

ONDE ESTÁ O RECÔNCAVO EM O “EMBUTIDO RECÔNCAVO” (2003)?

Vejo o Recôncavo no movimento dele, quase circular. Ele abre pra dentro e para fora. Tem essa coisa do côncavo, a linha de dentro do círculo, e do convexo, a linha de fora. Fico imaginando essa coisa de voltar. Do ir, mas voltar. Eu fiz esse trabalho ligado à globalização. Eu moro no interior, e tenho essa relação fora do país, então essa coisa de ir e de voltar. Do que está dentro ser o que está fora, e do que está fora ser o que está dentro.

VOCÊ NÃO CONSEGUIRIA VOLTAR INTEIRO E NEM SAIRIA INTEIRO…

Eu acho que dá para ir e voltar inteiro.

COMO VÊ A RELAÇÃO ENTRE AS SUAS OBRAS E A ARQUITETURA CONTEMPORÂNEA?

Eu não sou arquiteto, mas acho que meu trabalho tem muito de arquitetura. Quando eu penso na “Cabeça acústica” (1996), e que duas bacias vão se fechar e criar uma acústica diferente para a cabeça, eu acho que isso é arquitetura. “O telhado” (1998), “Sangue de novela” (2004), por exemplo, tem a relação com a casa. Na decoração, acho que arte é fundamental. Na minha casa, apesar de não ser moderna, utilizo obras de arte. Conviver com arte é uma coisa extremamente legal e dinâmica.

Por:  Edvan Lessa | Jornalista

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