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Vivendo o luto

Pensar o luto em tempos em que as perdas se tornaram tão constantes em todo o mundo tem se revelado uma necessidade emergencial. Passar pelo luto é um processo natural segundo os profissionais que estudam o tema. E ele deve ser vivido, sentido e compreendido como um ciclo contínuo, que não se encerra. Há uma confusão de compreensão que leva a crer que o luto está atrelado apenas à morte. Entretanto, esse processo pode ser desencadeado por diversas perdas. Essas perdas podem ser concretas, como a morte ou a perda de um emprego, ou simbólicas, como a perda da segurança. Uchôa afirma que “o luto é um processo de adaptação diante de uma perda significativa, da quebra de um vínculo, da ruptura de uma relação”. O rompimento desses vínculos ocasiona grandes mudanças em nossa forma de ver o mundo e de estar nesse mundo modificado. Perdas têm se tornado cada vez mais rotineiras desde o início da pandemia do coronavírus com o elevado número de mortes, mudanças causadas pelos impactos sofridos pela economia, na forma de se relacionar e, sobretudo, no mundo que conhecíamos até então.

“Trata da transformação de uma existência inteira”, pontua a psicóloga. O luto é um processo de aprender a viver num mundo que fica diferente sem aquela pessoa ou aquela coisa que se perdeu. E o enlutado precisa saber quem ele se tornou com esta falta. “É, na verdade, um processo que fala de três transformações: na relação que existia antes; na mudança do enlutado; e na mudança do mundo”, complementa.

UMA SOCIEDADE ENLUTADA

Há um luto coletivo. Todos perderam alguma coisa a partir deste cenário pandêmico em níveis diversos. O que torna ainda mais delicado o trabalho com o luto. Além disso, na sociedade atual, não há espaço social para a vivência do luto. Não é dada ao enlutado a possibilidade de parar para sentir. E como as perdas têm se tornado diárias e constantes, esta falta de espaço é ainda mais acentuada. “Temos uma sociedade enlutada, sim. E a única forma de nos reerguermos é unindo forças. Sendo rede uns dos outros. Nós precisamos acolher os nossos enlutados. Há um provérbio africano que diz que ’é preciso uma aldeia para cuidar de uma criança’. Para o luto também. Um cuidado que deve ser da sociedade. Não existem profissionais disponíveis no mundo para cuidar de todos os enlutados, até porque os profissionais também estão vivendo o luto”, conclui Júlia Uchôa.

COMO CONVIVER COM O LUTO?

A Psicologia hoje não trata o luto como uma patologia ou algo que é curável ou superável. Fala-se em um processo de adaptação à perda que pode oscilar ao longo do tempo entre a dor da ausência e a restauração. As
estratégias utilizadas para conviver com o luto podem surgir do próprio enlutado ou da rede de apoio que envolve a família, amigos, vizinhos, psicólogos, igreja, entre outros. Luto, segundo Júlia, é sobre ter espaço para
vivenciar a dor e se reconhecer no mundo novo que se constitui a partir da perda. “O que muda? Muda que eu tenho mais ferramentas e estou mais adaptada, então não vai doer o tempo inteiro. Mas, a falta e a saudade permanecem. Eu não sigo apesar do luto. Eu sigo com o luto”, conclui

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